domingo, 20 de março de 2011

Nosso eu verdadeiro e o desempenho de papéis



   As crianças saudáveis, que são criadas em um ambiente afetivo capaz de suprir suas necessidades fisiológicas e afetivas básicas, vivem no presente, estão inteiramente presentes no que fazem, fazem apenas o que querem fazer e, sobretudo, confiam nos dados e percepções obtidos de sua própria experiência no mundo. Sabem o que sabem e sabem quais são suas necessidades com exatidão e simplicidade, até que sejam ensinadas ao contrário.
   Contudo a maioria de nós não teve permissão para crescer livre e naturalmente, buscando a própria auto-regulação, aprendendo através da experimentação, e ampliando nossos horizontes através de uma atitude natural do ser humano: a curiosidade ingênua.
   Fomos coagidos desde cedo por pais, parentes, cuidadores, professores e por toda a cultura a conformarmo-nos com padrões de sentir, pensar e agir. Entretanto, muitos de nós podemos ter resistido a esse condicionamento, muitas vezes com comportamentos considerados e rotulados como “disfuncionais”. Mas gradualmente, grande parte de nós foi desistindo de se opor e foi aceitando as idéias de nossos educadores de como uma criança deve ser.
   Nesse processo fomos perdendo nossa sensibilidade, criatividade, e espontaneidade naturais e fomos forçados a negar aquilo que sabíamos sobre nós mesmos, melhor que qualquer outra pessoa, e muitas vezes tivemos que renunciar aos dados de nossa própria experiência no mundo em favor de experiências e verdades culturalmente aceitas, para poderemos ser aceitos e ter aprovação daqueles que tanto amamos.
   Quando chegamos à idade adulta, a maioria de nós já esqueceu como ser e expressar a si mesmo. Apenas lembrar como é sermos nós mesmos já causa medo. Esse medo nos mantém em estado de tensão ou torpor constantes, a ponto de passarmos grande parte da vida representando um papel que não é nosso, mas que é socialmente aceito. Quando representamos um papel, ao invés de vivermos nossa própria vida, usamos grande parte de nossa energia para evitar e negar o medo que temos de conhecer a nós mesmos e aos outros de uma forma profunda e inteira.
   Quando crianças, talvez tivéssemos consciência de que estávamos apenas fingindo, mas com o passar do tempo, obtendo aprovação e sucesso com nosso fingimento, enganamos a nós mesmos dizendo que aquela farsa era verdadeira. Muitos de nós, agora adultos, temos uma suspeita de que não somos aquilo que parecemos e de que se não tivermos cuidado, as pessoas perceberão nosso jogo ou nós mesmos perceberemos como esse jogo é ilusório e insatisfatório.
   Diante desse quadro, temos duas opções: ou continuamos a fingir e jogar, sabendo que parte de nós está morta, ou viramos o jogo e desistimos de fingir e aprendemos a crescer de acordo com a realidade e com nossas necessidades genuínas.
   Entretanto, esse processo de aprender a ser nós mesmos e recriar nossa própria realidade é longo, porque também foram longos os anos em que desaprendemos a ser nós mesmos. Não se pode mudar da noite para o dia algo que foi construído em anos. Este é um aprendizado lento e gradual e por isso mesmo desafiador. Ele acontece em espiral, quando saltamos de um nível de aprendizado para outro, e algumas vezes recuamos, nunca voltamos ao ponto anterior, mas a um ponto acima daquele que superamos anteriormente
   Nesse sentido, a psicoterapia pode ser um poderoso instrumento de auto-conhecimento que nos auxilia a reaprender quem somos e como construir nossas vidas e relacionamentos de uma forma mais integrada e harmônica com aquilo que nós somos e necessitamos para sermos felizes.

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